quarta-feira, 26 de março de 2008

09. The Doors - The Doors

A banda:


Jim Morrison - vocais/poética
Ray Manzarek - teclados
Robert Krieger - guitarras
John Densmore - bateria




Lançamento: Jan/1967


Playlist:

01. Break On Through (to the Other Side)
02. Soul Kitchen
03. The Crystal Ship
04. Twentieth Century Fox
05. Alabama Song
06. Light My Fire
07. Back Door Man
08. I Looked at You
09. End of the Night
10. Take it as it Comes
11. The End

Várias coisas chamam muita atenção nesse disco, o debute da banda californiana. O estranho nome, vindo da literatura - Morrison gostava do romance "The Doors of Perception" de Aldous Huxley e se inspirou aí para nomear a banda - o que também é bastante incomum, tendo em vista que a literatura nunca foi um tema lá muito comum entre roqueiros. A banda é da Califórnia, um lugar ensolarado e com muitas praias que anos mais tarde seria o porto de bandas de punk-pop-rock, como The Offspring e mesmo dos ensandescidos Red Hot Chili Peppers, ou seja, o obscuro The Doors é uma ovelha negra da cena de rock californiana. A capa do disco estampa enorme a face de Jim Morrison, um dos maiores frontmans da história do roquenrol, enquanto os outros membros da banda se espremem na sombra que resta, como se fossem parte da mente perturbada do vocalista. Outro fato quase que absurdo da banda é a falta de um baixista. Ao escutar o disco nos perguntamos quem é o baixista que existe em todas as faixas e então nos revoltamos por seus créditos não estarem devidamente expostos no encarte. O que acontece com o The Doors (essa redundância de artigos é irritante, eu sei) é que o talentosíssimo tecladista Ray Manzarek se utiliza do órgão para fazer o acompanhamento com a bateria, substituindo perfeitamente o baixo, como fica claro, por exemplo na faixa quatro, "Twentieth Century Fox".

Escolhi esse disco porque estava com saudade dos clássicos dos anos 1960-1970. E, assim como o Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, o debute do The Doors é um quarentão. E mostra como é um clássico desde a primeira faixa, um dos maiores hits da história, "Break On Through (to the Other Side)". Essa música foi o primeiro single do disco, ou seja, a primeira música da banda que foi tocada nos rádios e ela não deixa dúvidas da potência da banda, de toda a sua raiva e qualidade. Apesar das limitações técnicas de Morrison como vocalista - sua voz grave não tem muitas possibilidades - a paixão com que as letras são cantadas é invejável. Eu disse letras, mas o mais indicado seria chamá-las de poemas, já que a cultura literária de Morrison é ainda mais invejável que sua paixão e suas composições não deixam dúvidas disso.

Agora está justificada a capa do álbum. Muito do que torna o The Doors uma banda clássica e das mais influentes dos mais de 50 anos da história do roquenrol é devido a Morrison. Suas performances são inigualáveis, não apenas em shows - onde recitava poemas entre as músicas - mas inclusive no estúdio. Ele também elevou o roquenrol a um nível cultural sem precedentes na grande mídia. Lembro de uma frase de Renato Russo em que ele respondia sobre o que ele achava de todos idolatrarem suas letras. Disse sem medo de ser feliz que a juventude brasileira é aculturada e que não lê praticamente nada. É mais ou menos o que ocorre com Jim Morrison. Ele se permite uma maior intelectualidade em prol da boa música. Obviamente a banda tem também excelentes músicos. Todos são referências respeitadas hoje em suas devidas posições. O disco mostra bem o alto nível dos teclados e guitarras em outro clássico dos clássicos, "Light My Fire", com solos tanto de órgão como de guitarra e um show de bateria.

O The Doors é uma banda única para o seu porte. Houveram e ainda existem bandas que têm mais ou menos o estilo deles, mas nenhuma jamais alcançou seu sucesso, muito devido à originalidade - o The Doors foi o primeiro a fazer as misturas que fez nos EUA - e também ao carisma de Morisson. Misturando folk, psicodelia, blues, jazz e literatura, conseguiram fugir da semelhança com bandas britânicas, como o Jethro Tull ou Led Zeppelin que têm exatamente as mesmas influências, pela atuação do vocal muito particular e pela introdução da cultura estadunidense na sua música. Com isso, músicas como "Alabama Song" e "Twentieth Century Fox" se tornam fatores consideráveis na diferenciação da banda para tantas outras próximas no estilo, colocando-os em um estilo diferente do das bandas que citei.

O disco contém dois grandes hits bem diferentes entre si - "Break On Through (to the Other Side)" mais roqueira e com um tema suicida e "Light My Fire" inclinada para a psicodelia e, ao contrário da primeira, versa sobre paixão, chegando ao nível do erotismo - mas não são os únicos destaques. O blues "Back Door Man" é excelente e mostra a versatilidade dos músicos quando comparada, por exemplo à faixa 2 "Soul Kitchen", que tem mais groove, é mais dançante. Na outra ponta temos a melancólica "The Crystal Ship", que tem uma deixa de amor perdido, tanto na melodia quanto na letra. "I Looked at You" mostra o legado dos Beatles, é uma composição muito semelhante às de McCartney no início da carreira. "End of the Night" é exatamente o que o título sugere e nada pode tirar isso dela, foi composta à perfeição para dar esse clima e ponto final (.)

O acontecimento que encerra o disco é, convenientemente, "The End". Durante homéricos 11:41min uma música lenta e muitíssimo melancólica se arrasta, começando com os versos "This is the end/Beautiful friend, the end/My only friend, the end" ("Esse é o final/Lindo amigo, o final/Meu único amigo, o final"). Um surto psicodélico se segue com os três músicos mostrando a que vieram e Morrison cantando sobre garimpeiros desconhecidos e ônibus azuis - amostras: "The west is the best" ("O oeste é o melhor") e "The blue bus is calling us" ("O ônibus azul está nos chamando"). Se alguém conseguir entender isso me conta, porque eu não tenho inteligência suficiente. Em seguida uma história surge. O matador se levanta e, atravessando a casa chega na porta do quarto dos pais. Morrison canta então com uma calma perturbadora o diálogo: "Father/Yes son/I want to kill you" ("Pai/Sim filho/Eu quero te matar") e depois num acesso psicótico do vocal o filho diz à mão que quer foder com ela. Sim, para delírio dos psicanalistas de plantão, a tragédia grega "Édipo Rei" está ali jogado na nossa cara. Eu tinha avisado antes sobre a mente perturbada de Morrison. O último verso consuma o que viria a ser o melhor disco da banda e um clássico para o mundo, recomendado a qualquer um que tiver coragem de se arriscar no mundo surrealista do The Doors: "This is the end".

sábado, 1 de março de 2008

08. Red Hot Chili Peppers - Stadium Arcadium













A banda:

Anthony Kiedis: vocais
Flea (Michael Balzary): baixo/backing vocals
John Frusciante: guitarra/backing vocals
Chad Smith: bateria/backing vocals


Lançamento: 09/05/2006


Playlist:

CD 1 - Jupiter
01. Dani California
02. Snow ((Hey Oh))
03. Charlie
04. Stadium arcadium
05. Hump de Bump
06. She's Only 18
07. Slow Cheetah
08. Torture Me
09. Strip My Mind
10. Especially in Michigan
11. Warlocks
12. C'mon Girl
13. Wet Sand
14. Hey

CD 2 - Mars
01. Desecration Smile
02. Tell Me Baby
03. Hard to Concentrate
04. 21st Century
05. She Looks to Me
06. Readymade
07. If
08. Make You Feel Better
09. Animal Bar
10. So much I
11. Storm in a Teacup
12. We Believe
13. Turn it Again
14. Death of a Martian


Não existe ninguém no mundo ocidental que, em 1999, tivesse mais de 10 anos e não conheça os Red Hot Chili Peppers. Ok, isso é um exagero e tanto, mas é fato que o mundo dessa banda não foi o mesmo depois do lançamento de Californication. Quem não se lembra da baladíssima “Scar Tissue” ou da loucura de “Otherside” e de seus clipes, assim como o clipe-videogame de “Californication”? O tocador de violão que nunca tentou tirar alguma dessas músicas que atire a primeira pedra. Por mais que os Chili Peppers – apelido estadunidense para o que nós, meros latinos chamamos de Red Hot – fossem, já em 1991 com o obsceno Blood Sugar Sex Magik, uma banda de muito sucesso, isso não chega aos pés do que foi Californication. A banda se virou mais para o mundo pop, pegando mais leve nas insanidades funkadélicas dos álbuns iniciais e estava renascendo, depois do depressivo álbum de 1995, One Hot Minute, com a volta do guitarrista nascido e criado pela banda, John Frusciante. Outra razão fundamental para a mudança no estilo da banda foi o divorcio dos integrantes com as drogas, causa para o afastamento de Frusciante e perda de amigos pelos integrantes – a mais clássica música da banda, “Under the Bridge” foi composta em homenagem a um desses amigos.

Com todo o estardalhaço em volta do disco de 1999, a expectativa sobre o próximo álbum era monstruosa. Dá pra imaginar a surpresa quando, em 2002, By the Way, o disco mais comportado e melódico da banda foi lançado. Alguns fãs rechaçaram o novo trabalho da banda, chegando a dizer que é o pior já lançado, o que é um absurdo. The Red Hot Chili Peppers, primeiro disco deles, é tão bom que parece que foi gravado debaixo de um viaduto congestionado. O disco de 2002, 8º de estúdio da banda, é simplesmente um reflexo da evolução tanto da banda quanto do mercado e indústria fonográficos, poderosíssimos nos primórdios dos anos 2000. Então os Chili Peppers voltaram para o estúdio e, após uma longa espera de quatro anos, surgiram as notícias de que em torno de 40 músicas haviam sido compostas pelo quarteto. Bastante coisa, não? E enquanto isso, na louca mente de Frusciante o projeto de lançar um disco solo por bimestre seguia. Em 2004 foram cinco álbuns lançados.

Pois bem, como resultado de toda essa balbúrdia, recebemos Stadium Arcadium. A idéia original era de lançar três discos separados em 18 meses, mas acabou sendo resolvido que apenas um disco duplo – primeiro da carreira da banda – seria lançado com 28 faixas e mais 10 músicas seriam lançadas como lados-b. O primeiro piscar de olhos do álbum foi “Dani California" e seu maravilhoso clipe. Ouvi-la foi um alivio para muitos fãs. Ela tem uma pegada bem roqueira, nem tão melódica nem tão caótica, não perde a essência da banda nem fere os ditames do mainstream. Parecia que tudo seguiria bem. Algumas coisas se podiam inferir dessa musica também: Flea continuava bem como sempre foi; Kiedis nunca cantou tão bem, coisa que vinha ocorrendo desde Californication; a bateria de Chad também se mantinha muito bem. Mas havia algo de diferente, algo que ia além do que eles já haviam feito; as coisas estavam melhores do que imaginávamos . É aqui que entram os anos de carreira solo de Frusciante. O seu amadurecimento musical é impressionante. Novamente - desde Californication ele vinha acompanhando os vocais de Kiedis - está sempre lá, sua vozinha aguda e insistente. Agora, mais do que nunca, ele vem presente nos backing vocals e mais, suas melodias nunca foram tão boas. Claro, ele compôs “Under the Bridge” não há como negar que é uma das melhores músicas da banda, mas agora ele vem com um caminhão de músicas desse peso, “Snow ((Hey Oh))” vem logo depois de “Dani California" nos mostrar isso.

A banda evoluiu, mudou, ficou mais fácil de se ouvir, mas não esqueceu em momento algum as suas raízes, na mistura de punk com funk com obscenidade, com rock, com drogas, com hip-hop, com sei-lá-mais-o-quê. A terceira faixa do CD 1 nos mostra parte disso. Apesar de “Charlie” ser uma música melodiosa, é inegavelmente influenciada pelo funk, desde sua introdução no baixo até a faixa quebrada de guitarra, mas com pitadas do mercado pop. Obviamente ela não é a única assim das 28 que compõem o álbum. “Hump de Bump” é uma visão ainda mais próxima do que foi a banda em nos idos dos anos 1980 – quando eles eram indie, nome fofinho de hoje para o que na época era chamado de alternativo, porque era muito estranho para ser absorvido pelo mercado fonográfico – mas com a maturidade que eles alcançaram agora: a obscenidade foi abrandada, os vocais são compreensíveis, Flea deixa a marca de seu trompete e a guitarra se apresenta mais marcante, além de uma inusitada parada para a percussão, nessa música especificamente. Na verdade, o disco que leva o nome do grande deus dos deuses romanos é, de forma geral mais negro, no sentido étnico da palavra mesmo. Ele é mais próximo do funk e do hip-hop; “Torture Me” e “So Much I” são assim, mas sem nos deixar esquecer de que a banda agora é mais melódica, mais preocupada com o ouvido alheio. “Torture Me”, na verdade é parecida com o que eram os Chili Peppers em Blood Sugar Sex Magik, assim como “Warlocks”

Músicas como “Slow Cheetah” e “She Looks to Me” também mostram essa preocupação. Elas são, de fato faixas melódicas, mais calmas e fáceis de se ouvir e gostar. “Especially in Michigan” é outra música melódica, mas sem fugir do rock, lembrando muito o que era feito em Californication. Abrindo Mars, o CD 2, temos “Dessecration Smile”, que segue mais o que foi feito no By the Way, assim como “Tell Me Baby”, que se assemelha a “Can’t Stop. A faixa que dá titulo ao álbum mostra também a face melódica da banda, mas além disso vemos um pouco do que foram os Chili Peppers na difícil fase sem Frusciante: é uma musica mais melancólica, mais lenta, quase nostálgica, assim como “Strip My Mind”, que poderia compor o disco One Hot Minute sem problemas.

Podemos achar outros exemplos no disco com o nome do planeta vermelho, que é, em oposição ao caos mais presente em Jupiter, mais melódico e pop, o que eu não quer dizer que seja menos animado que o primeiro. Na verdade os discos têm uma estrutura relativamente parecida, em termos da seqüência das músicas, começando num nível mais alto de energia que, gradualmente, vai se dissipando, em faixas mais calmas. A diferença é que, em Jupiter a energia inicial é mais alta e cai mais bruscamente, enquanto Mars é mais constante. As músicas melancólicas são poucas no álbum. “Make You Feel Better” está lá justamente para mostrar como os Cili Peppers são mais animados que melancólicos; os próprios componentes cantam no refrão em coro: “We are the ones that will make you feel better” (“Nós somos os que vão te fazer se sentir melhor”).

Tudo isso ilustra a grande máxima desse álbum: ele é uma coletânea de músicas inéditas. Nada mais obvio, qualquer álbum de inéditas de qualquer banda é exatamente uma coletânea de inéditas, não é a toa que são chamados de álbuns. Stadium Arcadium, entretanto é uma revisão da banda de sua própria história. É um álbum animado, como grande parte dos antigos trabalhos dos Chili Peppers, mas tem sua pontinha de melancolia, da mesma forma. Tem musicas melódicas e musicas caóticas, tem funk, tem rock, tem punk, tem amor, tem obscenidade, tem loucura, tem gritos despropositados, enfim, ele é na verdade um grande presente da banda para os fãs. Em tempos de mp3, quando músicas, mas não necessariamente discos completos são baixados na Internet, a banda faz um disco sem um tema especifico, que comporta quase tudo o que eles já fizeram e que, por não ter uma cara pré-definida, aceita a cara que o ouvinte quiser dar. Não há sequer uma música ruim nos dois discos e, apesar de serem bem compridos – somados têm pouco mais de duas horas e meia – não são repetitivos ou cansativos. Eu sou realmente tendencioso ao dizer isso, mas não acho que a maior parte das pessoas do mundo que tinham mais de 10 anos em 1999 discordaria de mim. Tudo o que me resta é agradecer a uma das minhas bandas favoritas.


Por fim, temos algumas musicas que vou chamar de proféticas. São musicas que não lembram, tanto quanto as outras, coisas que já foram feitas, mas não fogem do que é a banda. A minha aposta é que musicas como “Turn it Again”, “Hard to Concentrate” e “C’mon Girl” mostram para onde está indo o Red Hot Chili Peppers e o que podemos esperar para um próximo disco. Outro exemplo dessa tendência é a impressionante última faixa do disco 2, Mars, “Death of a Martian”. Com o baixo e a guitarra andando juntos, um acompanhando o outro mutuamente, e de fato um clima de fim de festa, a música se encaminha, após seguir sem surpresas durante 3 minutos, para um final profético, com Smith arrastando os pratos da bateria, enquanto a guitarra sola bem ao estilo de Frusciante e Flea tenta manter algum sentido, assim como o dedilhado de guitarra que repete e repete; tudo isso com Kiedis em tom de anunciante do armagedom vomitando imagens oníricas e brincando com as palavras, rimas, assonâncias, etc. e termina o álbum num grito que deixa tudo silencioso novamente.